Reforma Tributária: Precisamos mesmo de uma emenda constitucional?
Por Dalton Luiz Dallazem.
Não seria possível editar uma ou mais leis complementares que eliminassem de vez a não cumulatividade no ICMS e no PIS/COFINS?
A Constituição Federal faz referência à “lei complementar” em 135 artigos. No título VI, que trata de questões tributárias e de orçamento, há vinte e quatro referências (quase 20% do total).
A “lei complementar” difere da chamada “lei ordinária” no requisito do quórum de aprovação. Para se aprovar uma lei ordinária, o quórum é o de maioria absoluta dos legisladores presentes na sessão de deliberação, respeitado o quórum mínimo. Já para a lei complementar, será necessária a maioria absoluta de todos os membros do poder legislativo.
O Texto Supremo delegou à lei complementar a normatização de questões de especial relevância econômica, social ou política.
A primeira refere-se ao ICMS (de competência estadual). Cabe à lei complementar, dentre outras coisas, 1) definir seus contribuintes; 2) dispor sobre substituição tributária; 3) disciplinar o regime de compensação do imposto; 4) fixar, para efeito de sua cobrança e definição do estabelecimento responsável, o local das operações relativas à circulação de mercadorias e das prestações de serviços; 5) prever casos de manutenção de crédito, relativamente à remessa para outro Estado e exportação para o exterior, de serviços e de mercadorias; 6) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados; e 7) definir os combustíveis e lubrificantes sobre os quais o imposto incidirá uma única vez, qualquer que seja a sua finalidade. É bastante atribuição, como se pode observar. Temos, então, a Lei Complementar 24 e a Lei Complementar 87 versando sobre esses temas, ainda que não de forma exaustiva.
A segunda refere-se ao ISS (de competência municipal). Cabe à lei complementar definir os serviços aptos à tributação pelos municípios. Temos, então, a Lei Complementar 116.
Os projetos de reforma tributária que tramitam no Congresso Nacional – PEC 45 e PEC110 –, a exemplo do que, de forma inaugural, o fez a Carta de 1988, delegam à lei complementar a regulamentação do futuro IVA único ou IVA dual, que compreenderá a unificação de cinco tributos: PIS, COFINS, IPI, ICMS e ISS. Tenho lá minhas dúvidas de que a alteração de competência quanto ao ICMS e ao ISS afronta o princípio federativo, mas vamos assumir a premissa de que isso não ocorre.
Se o otimismo quanto à aprovação se confirmar, teremos o texto constitucional alterado em 2023, a lei complementar editada em 2024 e o início da vigência da reforma para 2025.
Segundo se apregoa na imprensa, os maiores problemas do sistema tributário brasileiro são a cumulatividade, a substituição tributária e a complexidade das obrigações acessórias.
Minha pergunta, neste ponto, é a seguinte: por que necessitamos de uma emenda constitucional e de uma futura lei complementar para aprimorarmos esses institutos?
Não seria possível editarmos, desde logo, uma ou mais leis complementares que eliminassem de vez a não cumulatividade no ICMS e no PIS/COFINS, restringissem a substituição tributária e simplificassem as obrigações acessórias?
Não teríamos a unificação de cinco tributos, mas poderíamos unificar três deles: IPI, PIS e COFINS. E poderíamos aprimorar as leis complementares existentes para bem delimitar as fronteiras de conflitos de incidência entre ICMS e ISS. Afinal, está expresso no artigo 146 da Constituição que uma das funções da lei complementar é dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios.
Penso que, com essa solução, o sistema tributário já avançaria substancialmente. Talvez não idealmente, num primeiro momento, mas com o tempo novos avanços certamente adviriam.
Não sou o único jurista que pensa assim. Outros também têm se manifestado no mesmo sentido. Tenho um certo temor de uma mudança tão profunda no sistema tributário, tal como proposta pelas PECs em tramitação, sem que todas as dúvidas sejam dirimidas. E ainda tenho muitas. Como sempre, tenho receio de um novo aumento de carga tributária, tal como, historicamente, ocorreu nas chamadas “reformas tributárias” do passado.