Primeiras reflexões sobre como tributar a renda dos trusts, trustees e beneficiários no Brasil.

 em Artigos

Prof. Dr. Dalton Luiz Dallazem

Advogado

Sócio Fundador da Perin & Dallazem Advogados

Mestre (PUC/SP) e Doutor (UFPR) em Direito Tributário

Mestre e Doutor em Tributação Internacional (University of Florida – USA)

 

A publicação da Medida Provisória nº 1.171/2023, em 30 de abril de 2023, despertou novamente a atenção do público em relação aos trusts. Ela dispõe sobre a tributação da renda auferida por pessoas físicas residentes no Brasil em aplicações financeiras, entidades controladas e trusts no exterior.

Na medida em que tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 4.758/2020, que almeja instituir o trust no Brasil, é importante iniciarmos o debate sobre como tributar os rendimentos dele provenientes.

Há numerosas dificuldades em tributar o trust e suas rendas. Alguns países o tratam como entidades transparentes, ou seja, a tributação se dá na pessoa do beneficiário, tal como se o trust não existisse. Esse foi o caminho adotado pela Medida Provisória 1.171/2023, ao prescrever que “caso o trust detenha uma empresa controlada no exterior, esta será considerada como detida diretamente pelo titular dos bens e direitos objeto do trust (artigo 7º, §2º).”

Mundo afora, as regras buscam aplicar ao trust paradigmas de outros institutos, como as chamadas partnerships, por exemplo, mas as semelhanças com eles são pequenas. Além disso, não há uma regra uniforme – cada país adota a sua política fiscal – e mesmo temas recorrentes tendem a encontrar diferentes tratamentos em diferentes sistemas tributários.

Isso sem falar nas situações transnacionais que atraem a aplicação do chamado direito internacional tributário, seara de atuação dos tratados para evitar a dupla tributação. O grau de dificuldade nesse campo aumenta, pois interagem concomitantemente regras do país de residência das pessoas que se beneficiam do trust, regras do país de localização dos investimentos, regras de alocação do rendimento (source rules) e regras do país onde se localiza o trustee.

No Brasil, o Projeto de Lei Complementar nº 145/2022 se propõe a reger a lei aplicável ao trust, sua eficácia e seu tratamento tributário no País (https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/2339412). Mas esse não é um projeto que trata da tributação de trusts brasileiros (ainda inexistentes no ordenamento jurídico pátrio). Ele trata da tributação de residentes brasileiros que sejam beneficiários de trusts instituídos no exterior.

De acordo com a definição encampada pelo Projeto, o trust é um instituto jurídico de direito estrangeiro resultante da transferência de bens ou direitos com valor econômico feita por uma pessoa física ou jurídica, designada instituidor (settlor), a um proprietário formal, designado trustee. Ainda: o trust será regido pela lei indicada no seu instrumento de constituição e pelos termos e condições contidos nele ou em instrumentos a ele auxiliares, os quais terão eficácia no Brasil, exceto se ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes.

Embora o trustee seja o proprietário formal dos bens e direitos, ele não tem liberdade para fazer o que bem entender com eles. Concomitantemente ao nascimento do trust, nasce também o direito de propriedade ou titularidade autônomo dos beneficiários dos bens ou direitos transferidos, beneficiários estes que devem ser designados no ato de constituição, conforme a vontade do instituidor. Lembrando que o instituidor pode figurar também como beneficiário do trust.

Assim, o trustee é a pessoa que recebe a guarda e a propriedade formal de bens ou direitos com valor econômico integrantes do trust e assume deveres perante os beneficiários e em relação ao patrimônio integrante do acervo. Tem-se, então, o desmembramento da propriedade em (i) propriedade formal – exercida pelo trustee, e (ii) propriedade autônoma – exercida pelos beneficiários.

Na apertada síntese que o presente espaço comporta, registro as duas formas de tributação da renda previstas no projeto:

  • resultados positivos do trust, se existirem, quando distribuídos ao beneficiário, serão tributados pelo imposto de renda – na pessoa do beneficiário – de forma equivalente aos demais rendimentos recebidos de fontes situadas no exterior; e
  • resgate de capital originário do trust, reduzindo o valor de aquisição dos respectivos direitos constante na declaração de bens ou nos registros contábeis do beneficiário efetivo. O montante assim resgatado não se sujeitará à incidência de imposto de renda até o limite do valor de aquisição dos direitos correspondentes ao capital resgatado, constante na declaração de bens ou nos registros contábeis do beneficiário.

Trata-se, por enquanto, de um projeto de lei e há muito que aprimorar, sobretudo porque outro projeto será necessário para se tributar os trusts brasileiros. Mas o pontapé inicial foi dado.

Considerando a importância que a instituição do trust terá para muitas famílias e patrimônios no Brasil, regulamentar a tributação de sua renda de forma adequada demandará um grande esforço de construção jurídica, para o qual os interessados no tema estão todos convidados.

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