Poderia o Brasil adotar o modelo dos EUA de tributação da renda?

 em Artigos

 

Dalton Luiz Dallazem

Professor de Direito Tributário Internacional

Mestre (PUC-SP) e Doutor (UFPR)

Mestre (UF-EUA) e Doutor (UF-EUA)

Perin & Dallazem Advogados

Founding Partner

 

Vivemos tempos de calorosos debates no Congresso Nacional em meio a tantos projetos de lei propondo alterações no imposto sobre a renda e o retorno da tributação de dividendos. A ideia exposta neste artigo explica sucintamente a tributação da renda no Brasil e nos Estados Unidos e convida o leitor a refletir sobre a possibilidade de um sistema semelhante ao norte-americano no nosso país.

Temos no Brasil, atualmente, três regimes regulares de tributação da pessoa jurídica: lucro real, lucro presumido e simples nacional. Cada qual com suas particularidades e complicações, inclusive o último que, aliás, de simples só tem o nome.

Pelo regime de lucro real, a empresa apura o lucro contábil e, a partir dele, registra adições e exclusões a este lucro contábil para chegar ao lucro fiscal (lucro real). Existem receitas (ex.: equivalência patrimonial) e despesas (ex.: multas) que compõem o lucro contábil, mas que são excluídas ou adicionadas para fins de apuração do lucro real. Estão obrigadas ao regime de lucro real as empresas com faturamento anual superior a R$ 78 milhões, bem como outros segmentos selecionados da atividade econômica, como por exemplo bancos e seguradoras.

O regime de lucro presumido, como o nome sugere, permite a um grande número de pessoas jurídicas que faturam até R$ 78 milhões por ano aplicar, sobre a receita bruta, um percentual de presunção, que será o “lucro presumido”, para então, sobre este lucro presumido, aplicar as alíquotas do imposto sobre a renda (IRPJ) e da contribuição social sobre o lucro (CSLL). Trata-se de regime opcional para as pessoas jurídicas não obrigadas à adoção do regime de lucro real.

O chamado simples nacional aplica-se às microempresas e empresas de pequeno porte, assim definidas aquelas com faturamento anual igual ou inferior a R$ 4,8 milhões. As alíquotas aplicáveis ao regime abrangem vários tributos, inclusive IRPJ e CSLL, e conferem uma carga tributária mais favorável a essas empresas se comparada ao lucro presumido e, frequentemente, ao lucro real.

As pessoas físicas são tributadas com bases em alíquotas progressivas que vão de 7,5% a 27,5%.

A distribuição de dividendos formalizada por qualquer empresa a seus sócios ou acionistas é isenta, inclusive quando estes sócios ou acionistas são residentes no exterior.

Nos Estados Unidos, a forma de tributação das pessoas jurídicas depende da forma como elas são constituídas legalmente, sendo as seguintes as formas societárias mais comuns para a organização dos negócios: as “Corporations”, as Partnerships” e as Limited Liability Companies (LLC)”.

Definida a estrutura legal da empresa, sua classificação para fins tributários perpassa os chamados “Aggregate concept”, “Entity concept” e “Hybrid concepts”:

  1. “Aggregate concept” – De acordo com este formato, para fins tributários a empresa é tratada como uma entidade transparente, ou seja, as receitas e despesas são apuradas na pessoa jurídica, mas não são tributadas. Cada sócio computa, então, na sua pessoa física o resultado positivo de acordo com sua participação no capital social da empresa e o tributa de acordo com a alíquota aplicável à cada faixa de renda (sistema progressivo). Algumas “Partnerships” se encaixam neste modelo.
  2. “Entity concept” – Segundo este conceito a empresa é considerada, para fins tributários, uma entidade separada e distinta de seus proprietários ou sócios. O regime é conhecido como “double tax” porque tanto a empresa é tributada em relação a seus resultados positivos, quanto os sócios em relação aos dividendos recebidos. As “Corporations” adotam o “entity concept”.
  • “Hybrid concepts” – algumas “Partnerships” seguem um modelo híbrido que trata a empresa como uma entidade separada para determinados fins, e como um ente agregado para outros fins. Tributariamente, as “Limited Liability Companies” estão sujeitas às mesmas regras que as “partnerships”, a menos que optem por ser tributadas de acordo com o regime aplicável às “Corporations”.

Portanto, nos Estados Unidos, somente quem paga dividendos são as “Corporations”, ou as “LLC’s” que optaram pela tributação segundo o mesmo regime.

A tributação de dividendos incide sob alíquotas diferentes conforme sejam eles “ordinary dividends” (10% a 37%) ou “qualified dividends” (15% ou 20%). Para que um dividendo seja enquadrado como “qualified dividend”, certos requisitos devem ser cumpridos, mas principalmente ter sido pago por uma empresa americana ou por uma empresa estrangeira que tenha ações na bolsa americana. A alíquota máxima para os “qualified dividends” – 20% – é bastante inferior à de 37% que é aplicável, por exemplo, quando uma pessoa física recebe dividendos de uma empresa situada no exterior.

Pois bem, dito isso, por que não adotar um sistema semelhante no Brasil? Poderíamos, por exemplo, tributar empresas com faturamento de até 78 milhões de reais por ano (limite do atual lucro presumido) pelo regime de conceito agregado, ou seja, a empresa seria transparente para fins de tributos sobre a renda e os sócios seriam tributados nas suas pessoas físicas de acordo com sua participação no capital social e mediante as alíquotas progressivas aplicáveis. O IRPJ e a CSLL poderiam ser excluídos do regime do Simples Nacional e não haveria mais, também, o lucro presumido.

Por outro lado, empresas que faturam acima de 78 milhões de reais por ano (desde 2016, responsáveis por algo em torno de 1,40% do total e 66% da arrecadação, segundo dados da Receita Federal), adotariam o conceito de entidade separada, reduzindo-se a alíquota do IRPJ e da CSLL e tributando os sócios ou acionistas quando da distribuição de dividendos ordinários ou qualificados (estes com alíquotas menores do que as progressivas). A redução de alíquota para as pessoas jurídicas deveria ser equacionada com a alíquota aplicável à tributação de dividendos de modo a evitar aumento de carga tributária, atualmente de 34% (IRPJ + CSLL).

Evidentemente, migrar de um modelo tributário para outro não é tarefa fácil e demandaria um estudo aprofundado da legislação americana que há muitos anos vem evoluindo e sendo aperfeiçoada. Podemos aproveitar os avanços e construir sobre eles. Estou convencido de que a ideia aqui apresentada merece reflexão e estudo por parte dos leitores e, principalmente, do Governo.

Postagens Recentes

Deixe um Comentário