Sucessão nas empresas: Um trust pode deter ações ou quotas de uma sociedade?
Tecnicamente, a resposta é “não”, pois o trust não é o que se designa por uma “separate legal entity” nos países de common law. Como já vimos aqui neste espaço, o trust é uma relação jurídica entre o instituidor, o trustee e os beneficiários.
No entanto, ações ou quotas de uma sociedade podem constituir o “patrimônio” do trust, sendo então transferidas legalmente ao trustee, que será o seu detentor perante àquela sociedade. Pelas vantagens sucessórias que apresenta, é uma estrutura jurídica utilizada com frequência no exterior. Podem decorrer, também, potenciais ganhos tributários, mas isso depende de uma série de fatores que necessitam de análise caso a caso.
Hoje em dia, não são raros os exemplos de fundadores de empresas de sucesso cujos herdeiros não se interessam pelo negócio, seja porque não têm vocação ou porque são bem-sucedidos em suas profissões. Menos frequentes, mas também concretos, são os casos de inexistência de herdeiros.
Por que isso é interessante para nós, aqui no Brasil? Pois bem, porque em um futuro não distante teremos a regulamentação do trust, conforme temos comentado por aqui, e sua utilização pode facilitar a sucessão empresarial.
Com o falecimento, incapacidade ou aposentadoria voluntária do fundador, o trustee seguirá as instruções da escritura do trust para gerir a empresa, podendo ser ele o gestor, o profissional ou a empresa de consultoria que cumprir as exigências determinadas pelo instrumento. A liberdade de criação de regras é aberta, logo numerosas opções estarão na mesa. O ideal até é que as potenciais pessoas designadas já exerçam, após a criação do trust, cargos de conselheiros, ainda que informais, em auxílio ao fundador; isso facilita o conhecimento do negócio e a gestão posterior ao seu falecimento ou retirada voluntária da empresa (sim, porque o fundador pode estar cansado e terá assim uma merecida e organizada aposentadoria).
A empresa poderá seguir seu curso de sucesso e os herdeiros (beneficiários) receberão os dividendos de acordo com o que estiver estipulado na escritura do trust, sem se preocupar com uma gestão que, como dito, não desejam ou não têm aptidão para exercer.
Em casos de estruturas societárias mais complexas, a existência de um trust pode facilitar a potencial venda das ações ou quotas, ou, ainda, um processo de M&A, sem que se tenha que aguardar pelo inventário, demorado e custoso.
Além disso, há a proteção das ações ou quotas em face de eventuais passivos em que tenha incorrido o fundador, agora falecido.
A regulamentação do trust no Brasil abrirá um leque enorme de possibilidades de aplicação, que exigirão, ao seu devido tempo, estudo, maturação e aprimoramento.